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Conferência de Abertura

Um cenário adverso para a Reforma Psiquiátrica: buscando saídas

Desde a vitória do candidato à presidência defendido pelo campo democrático, nas eleições de 2022, o Brasil atravessa um lento e difícil processo de recuperação, sempre ameaçado por retrocessos, ainda quando consegue avançar alguns passos adiante. Logo pós a viva alegria da posse de Lula, vieram os ultrajes do 8 de janeiro - e este contraste tão gritante ilustra bem a situação que, de alguma forma, vivemos ainda. De um lado, a sombra de uma extrema-direita que persiste, forte; e, de outro, a expectativa por um país justo e democrático, que tarda a se cumprir. 
 

Sempre soubemos que não seria fácil o trabalho à espera dos brasileiros. Não apenas tantas são  as feridas, e tamanha foi a destruição; dada a diversidade das forças políticas cuja união foi necessária, há a questão, decisiva, de qual é afinal o projeto de país a ser construído. Questão para o campo democrático e popular que participa e coordena o atual governo: se muitos embaraços são inevitáveis, se as alianças exigem concessões e recuos aqui e ali, é preciso ter em mente, todavia, os pontos diante dos quais não se pode recuar ou ceder. 
 

Recuos e concessões perigosas, aliás, nos fazem lembrar o período que antecedeu o ressurgimento da extrema-direita, no Brasil e no mundo. Não basta compreender tal retorno como a causa de tantos novos horrores surgidos; ele é também, e sobretudo, a consequência dos desequilíbrios e injustiças que as chamadas democracias ocidentais, sob a égide do neoliberalismo, não conseguiram impedir, e muitas vezes vieram agravar. Se não se enfrenta a expansão sem freios do capital, o que se pode fazer quanto aos mais graves problemas do mundo, da extensão desmedida da crise ambiental à proliferação das guerras mais covardes? Quando se assiste, em muda cumplicidade, ao extermínio do povo palestino pelo Estado fascista de Netanyahu, como supor aprendida a lição da ascensão do nazismo de Hitler, para vencer Trump e outros afins? 
 

Uma democracia que não enfrenta a grave desigualdade econômica, nem as injustiças sociais, étnicas, e outras tantas dela decorrentes,  não é aquela pela qual duramente lutamos, desde o campo da disputa eleitoral, quando preciso, até à política e ao cuidado antimanicomial, ao qual nos dedicamos cotidianamente. Ora, se avaliamos hoje a conjuntura brasileira, constatamos as suas múltiplas dificuldades. Não se trata apenas, repetimos, do risco de um recrudescimento da extema-direita; este risco se entrelaça, todo o tempo, com a degradação do Congresso Nacional, com as hesitações do Poder Executivo, com a posição ambígua do Judiciário. Como fazer avançar a Reforma Psiquiátrica em cenário tão adverso?
 

Cabe interpelar, entre as várias forças em jogo, aquelas à esquerda. Como podem demarcar com clareza a sua posição, quando se mistura e confunde com concepções e práticas tão distantes de sua origem? Sustentando, com apoio financeiro e político, a brutalidade das comunidades terapêuticas, mostra-se cúmplice das piores violações de direitos humanos, aproximando-se assim do bolsonarismo; naturalizando implementando formas diversas de privatização das políticas públicas, segue o ideário neoliberal, esquecendo seu compromisso com as políticas universais tão valiosas para o povo brasileiro. 
 

O silêncio, aqui, refletiria a cumplicidade; não nos calamos, portanto. Conclamamos os partidos e movimentos que se pretendem inscritos no campo democrático e popular a agir de acordo com os princípios pelos quais os elegemos. A lassidão que faz descrer das próprias forças sempre resulta na impotência para utilizá-las. Agilidade e destreza andando juntas com firmeza e coragem: eis a superação possível para os tantos obstáculos que hoje nos impedem de avançar.

Conferencista:

Rudá Ricci 

Coordenadora:

Sara Oliveira Caldeira​​

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