Primeira Mesa
Políticas Públicas, SUS e Reforma Psiquiátrica: impasses a enfrentar
Sob diversos aspectos, as políticas públicas no Brasil vivem impasses que acarretam graves prejuízos para uma reforma psiquiátrica antimanicomial. Estas políticas vêm perdendo sua mais importante característica: a universalidade. Podemos vê-lo naquilo que hoje se passa no Sistema Único de Saúde (SUS).
As privatizações que ocorrem sob as mais diversas formas: terceirizações que avançam através das Organizações Sociais (OS), das parcerias público-privadas, do serviço social autônomo e outras, que, num processo de fragmentação crescente, retiram da gestão pública da saúde o poder de concepção e efetivação do cuidado, transferindo-o para o âmbito privado. Esta privatização insidiosa, iniciada em grandes hospitais públicos, hoje se estende até equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs). Chega também à atenção primária: incompatível com a lógica do território, do vínculo, do acolhimento, da responsabilização de cuidados, torna inviável a valiosa estratégia do Programa Saúde da Família (PSF), transformando em pequenas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Investe-se ampla e equivocadamente nos ambulatórios especializados, a-territoriais, centrados no diagnóstico e no procedimento da consulta, bem propícios à lógica privatista. Por fim, mas não menos importante: serviços terceirizados não reconhecem as instâncias do controle social do SUS, com as quais não estabelecem nenhum tipo de diálogo.
Disseminando-se em diferentes municípios do país, as variadas formas de privatização são naturalizadas, e tratadas como se inevitáveis fossem, com o risco de apagar da memória de gestores, trabalhadores e usuários as belas conquistas e o acolhedor cotidiano dos serviços integralmente públicos do SUS. Entrementes, crescem em todo o território nacional as nefastas comunidades terapêuticas, sem que os gestores do Ministério da Saúde pareçam incomodar-se minimamente com tal flagelo. Quando pretendem lavar as mãos, alegando caber a outro ministério o financiamento dessas instituições, mergulham em águas sujas: afinal, participam todos da mesma política governamental, na qual - triste ironia - um Ministério das Cidades incentiva a criação de prisões! Desconhece-se, assim, o fato de que o cuidado às pessoas em sofrimento mental relacionado ao uso prejudicial de álcool e outras drogas, encarceradas nestes manicômios, são uma responsabilidade precípua da saúde, numa perspectiva intersetorial.
A privatização se estende a outras políticas públicas. Veja-se a assistência social, cujos serviços são reféns de uma multiplicidade de entidades sociais que acabam por não apenas executar mas também ditar as diretrizes do cuidado; ou a educação atingida diretamente não só pela precarização da formação pública, mas pela proliferação de faculdades privadas, tecnocráticas, - dentre as quais se destaca, sem qualquer controle, o das faculdades da medicina.
Essa visão estreita da coisa pública propicia a precarização do trabalho nos SUS: é cada vez maior o contingente dos trabalhadores empregados por contratos administrativos, terceirizados ou não, em prejuízo não só da garantia de direitos trabalhistas, mas da qualidade da assistência. A formação mostra-se cada vez mais incapaz de transmitir aquilo que os alunos precisam saber para atuar como trabalhadores e gestores do SUS em geral, e da RAPS em particular.
Neste contexto, a atual gestão da saúde mental no Ministério da Saúde mostra-se omissa: incapaz de promover fóruns nacionais de debate que mobilizem gestores e trabalhadores do país, avessa ao questionamento dos movimentos sociais, não enfrenta os problemas há muito existentes na RAPS, nem os novos, que surgem a cada dia.
Como superar estes impasses? Convidamos os participantes desta mesa a aprofundar esta análise e apontar possíveis saídas para o seu enfrentamento.
Palestrantes:
Bernadete Perez Coêlho
Miriam Abou-yd
José Vanilson Torres da Silva
Coordenadora:
Adriana Mojica