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A arte do cuidado, a coragem da luta: por uma RAPS das gentes

Quando se construía o V Encontro Mineiro de Serviços Substitutivos em Saúde Mental, o Brasil vivia o triste segundo ano de um governo de extrema-direita. Diante dos enormes retrocessos impostos às políticas públicas, aos direitos humanos, à Reforma Psiquiátrica, convidávamos todas as pessoas ao resgate do radical potencial transformador dos conceitos e práticas antimanicomiais, apostando, mais uma vez, na força dos movimentos sociais.


O surgimento da pandemia impôs um indefinido adiamento do Encontro, já cuidadosamente preparado. O penoso isolamento de então, enquanto assistíamos pela televisão as mais insultuosas cenas à dignidade do povo brasileiro, sem poder sair às ruas em sua defesa, tornou ainda mais sombrio aquele tempo. No entanto, a realização do Encontro jamais se perdeu do nosso horizonte: criando as lives que ajudavam a prepará-lo, preservamos laços e trocas entre trabalhadores, trabalhadoras, usuários e usuárias dos serviços de Minas Gerais, com a certeza de que nos encontraríamos quando soasse a hora propícia.


Quando esta hora, chegada enfim, reuniu-nos na graça singela de Mariana, uma tensa expectativa, mesclando temor e esperança, tomava nossos corações: aproximava-se a eleição na qual o então presidente buscava reeleger-se, tendo como oponente o candidato de um partido do campo democrático, apoiado por uma ampla coalisão. Não havia dúvida: uma nova vitória da extrema-direita destruiria de forma praticamente irreversível tudo o que preservávamos ainda das conquistas populares obtidas desde o final da ditadura militar. Lutávamos com todas as nossas forças pela vitória de um Lula que retornava, para conduzir, ao lado das forças democráticas e populares - assim o esperávamos - a retomada de um caminho justo e igualitário para o país.


Para nossa profunda alegria, a desejada vitória aconteceu. No entanto, enquanto preparamos o próximo Encontro, sombras ainda povoam o Brasil e o mundo; persistem as ameaças à democracia e os obstáculos ao pleno exercício da cidadania e à justiça social. Se a ampla coalisão já mencionada foi necessária para derrotar o fascismo, ela nos coloca hoje severos impasses. Avançou-se pouco, cumpre admitir: não foi recuperado o terreno perdido, nem foi possível fazer renascer o viço da RAPS, do SUS, das políticas públicas brasileiras.


Certamente, o empenho da luta antimanicomial prossegue, sempre intenso. Nas lives preparatórias realizadas para o VI Encontro, apontamos os embaraços que impedem à Reforma Psiquiátrica avançar rumo ao seu horizonte antimanicomial. Entendendo os serviços substitutivos ao manicômio como espaços de alegria e luta, insistimos em definir e preservar os traços que são os seus; denunciando a histórica segregação de pessoas negras, mulheres e pessoas LGBTQIA+ na sociedade brasileira, lembramos que a RAPS lhes pertence, e deve acolher suas histórias e questões. Além de reafirmamos a política de saúde mental para crianças e adolescentes, buscamos formas de preservar sua saúde e seus direitos, face à extrema vulnerabilidade a que estão expostos tantos deles.


Se estes passos antecipam nosso Encontro, é preciso mais: com graves preocupações, mas sem amargura, formular honestamente os problemas que nos afetam, e as estratégias necessárias ao seu enfrentamento. Seguindo nesta direção, a corajosa luta antimanicomial mineira trará mais uma vez à luz seus muitos feitos e bela face. 


Guanhães, um município de pequeno porte, será o palco do VI Encontro Mineiro de Serviços Substitutivos em Saúde Mental. Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do Brasil, abriga mais de oitocentos municípios, a maioria deles de pequeno porte. A realização deste encontro em Guanhães destaca a importância de refletir sobre a política de saúde mental nessas localidades. Em municípios menores, os desafios para implementar serviços de saúde mental que respeitem os princípios da Reforma Psiquiátrica e promovam cuidado em liberdade são particularmente complexos.


Mais uma vez, irão reunir-se os tantos municípios que, como rios em suas singulares margens e volteios, dando nó em pingo d’água, desaguam no mar mineiro do cuidado em liberdade. É do Vale do Rio Doce, este ano, que a nossa RAPS a recebeu o convite para o seu encontro: salve, Guanhães, pela oferta de sua carinhosa hospitalidade!

Nos encontramos em novembro!

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Comissão Organizadora do VI Encontro Mineiro de Serviços Substitutivos em Saúde Mental

26 de agosto de 2024.

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